Divórcio x Estado Laico
São Pedro de Atacama-Chile originou-se a partir de sua Igreja de San Pedro, construída pelos jesuítas espanhóis no início do século XVIII, e foi um centro de parada para os colonizadores espanhóis. O Chile foi um dos últimos países ocidentais e o último país da América latina a admitir o divórcio. A movimentação pró divórcio iniciou-se na América do Sul pelo Uruguai em 1907, seguido pela Venezuela (1942), Equador (1948), Brasil(1977), Argentina (1987), Paraguai (1991) e, por fim, o Chile, em 2004. Esse peso da religião me fez refletir sobre a laicidade do Estado sobre como os preceitos morais e religiosos ainda são um entrave para o reconhecimento das diferentes formas de família. Uma construção histórica que se reflete ainda hoje.
A importância política e social do divórcio vai além da reafirmação do estado laico. A ele estão atrelados valores básicos que devem sustentar uma democracia: liberdade e autonomia privada. Em 13 de julho de 2010, a Emenda Constitucional 66, proposta pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), por meio do então deputado Sérgio Barradas Carneiro, finalmente conseguiu instalar o divórcio verdadeiramente laico no Brasil. Ela pôs um ponto final às discussões iniciadas na década de 1970, quando o jogo de forças políticas, representadas pela igreja católica, não admitia, como ainda não admite, que um casamento se dissolva em vida. Católico que é católico não se divorcia.
Naquele embate de quase 40 anos atrás, foi necessário fazer muitas concessões para que se aprovasse a Emenda Constitucional que introduziu o divórcio no Brasil. Só se podia divorciar uma única vez, tinha-se que esperar cinco anos de separação de fato para requerer o divórcio e manteve-se o anacrônico e ridículo desquite (expressão substituída por separação judicial) que é uma espécie de purgatório, ou limbo entre casado e divorciado. Mesmo assim, a introdução do divórcio só foi possível porque o presidente da República da época, Ernesto Geisel, não era católico e não simpatizava com as “forças antidivorcistas”.
O discurso dos parlamentares contrários à simplificação do divórcio em 2010 era o mesmo de 1977, superficial e espiritualmente pobre, agora reforçado pela retórica da bancada evangélica, de que a facilitação do divórcio banaliza e destrói as famílias. Certamente, nem eles mesmos acreditam nessa bobagem, mas precisam se sustentar nos discursos fáceis e que podem lhes render votos. Essas resistências acontecem até mesmo no ambiente jurídico em que se pressupõe que Direito e religião devem ficar em instâncias separadas, para que se possa ter boas religiões e um bom Estado.
E assim se passaram mais de 35 anos de divórcio no Brasil. Quebraram-se resistências, e reafirmou-se o estado laico através de novas medidas e simplificações do divórcio em 2010: não há mais prazos para requerê-lo; eliminou-se o inócuo instituto da separação judicial (apesar de algumas resistências até mesmo entre alguns juristas) e substituiu-se o discurso da culpa pelo da responsabilidade. Em outras palavras, o Estado não procura e não crucifica mais um culpado pelo fim do casamento. Ou seja, em briga de marido e mulher, o Estado não mete mais a colher.