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Rodrigo da Cunha Pereira: Estatuto das Famílias e da cidadania

claudiovalentin

Artigo publicado na Folha de São Paulo

Pátria e nacionalismo não estão fora de moda. Mas a relação dos indivíduos com a pátria se inverteu. Não são mais as pessoas que devem servi-la ou sacrificar-se por ela. É a pátria que deve estar a serviço das pessoas.

Por isto a história e a política hoje se escrevem e se inscrevem a partir da vida privada, que obviamente começa e termina na família. E assim a principal razão política dos estados democráticos contemporâneos está na vida privada, e, portanto, na família.

A nostalgia das antigas utopias, da família ideal e patriarcal, as noções de esquerda e direita, aos poucos estão sendo substituídas pelas noções de limite entre público e privado. No mundo globalizado e das redes sociais da internet.

A verdadeira política hoje significa a valorização da família. Não estamos mais no tempo da família singular. A nova família é aberta, plural, fraterna e fundada no amor e na valorização e dignidade dos sujeitos, para muito além da forma ou formalidade que a cerca ou a constitui.

Ainda há milhares de famílias à margem da legislação. Nesse sentido é q se elaborou o Estatuto das Famílias, PLS (Projeto de Lei do Senado) Nº 470/13, apresentado pela senadora Lídice da Mata.

A família é da ordem da cultura e não da natureza. Por isto ela transcende sua própria historicidade. O único elemento invariável é o interdito proibitório do incesto, que está presente em todas as relações familiares e sem o qual não há família e nem sociabilidade. E assim, este estatuto vem dar amparo a todas as famílias conjugais e parentais.

Das tradicionais às mais inimagináveis até alguns anos atrás, como as homoafetivas. Não é ético, e muito menos cristão, deixar à margem do ordenamento jurídico formas de família diferentes das tradicionais.

É impressionante como os opositores deste ousado e grandioso PLS, em nome da moral e bons costumes, de um discurso religioso falso e hipócrita, e de premissas falsas, condenam ao fogo do inferno esta pretensa legislação.

E pior, apresentaram na câmara dos deputados um PL (Projeto de Lei) restringindo e fechando o conceito de família, como no passado, ignorando todas as lutas e avanços sociais já alcançado. No fundo, mas não muito fundo, esses “fariseus” que dizem defender a tradição, família e propriedade estão defendendo é o seu medo de terem que olhar para si mesmos, de se depararem com o próprio desejo e a arrogância de querer impor ao outro uma legislação que diz respeito apenas a si mesmos.

O amor exige compromisso e responsabilidade. Não responsabilizar o pai que abandonou o filho, ou o homem que estabelece uma família paralela é incentivar o descompromisso parental e estimular a poligamia.

Há novas formas jurídicas de parentalidade que precisam ser respeitadas e protegidas, como a sociafetividade. A família de Nazaré é o mais emblemático exemplo de que nem sempre são os laços de sangue que determinam a paternidade: José era o pai socioafetivo de Jesus, e ninguém questiona isto. O Estatuto traduz em regras realidades como estas para dar-lhes amparo, inclusive, a milhares de crianças sem o nome do pai.

O texto do Estatuto das Famílias é fruto do amadurecimento da comunidade jurídica do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Ele vem para fortalecer a estrutura familiar, que afinal é mais que fundamental: é fundante do sujeito. Sem ela não há relações sociais ou jurídicas e nem Estado.

A diferença hoje é que o privado e a privacidade e a escolha da forma de se constituir família passa a ser mais respeitada pelo Estado. A Comissão de Direitos Humanos do Senado, através de audiências públicas abriu o saudável debate. Tomara que todos possam contribuir.

RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, 56, advogado, é presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e doutor pela Universidade Federal do Paraná

(Folha Online – 29/12/2014)

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