Velho código civil para novo século
Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 4/1/00
A virada do século traz sempre consigo a idéia de grandes mudanças, renovações e esperanças. O Direito, que retrata e reflete as mudanças sociais, acaba também sendo uma fonte de esperança para uma organização social mais justa. Neste momento, por exemplo, está prometida a votação e aprovação(?) do projeto de lei para a instalação de um novo Código Civil na ordem jurídica brasileira, com se fosse o anúncio da “boa nova”.
Numa época em que já não cabe mais falar em ideais totalitários e totalizantes, os mentores do “novo” Código Civil insistem na velha fórmula do sistema francês da codificação generalizante. Mas a tendência dos ordenamentos jurídicos parece ser outra, ou seja, a dos micro-sistemas: Código do Consumidor, Código de Trânsito, Código (Estatuto) da Criança e Adolescente, Código de Telecomunicações, e já se fala em um Código de Família.
A aprovação do projeto do “novo-velho” Código Civil, significará irresponsabilidade e descompromisso de nossos parlamentares com o povo brasileiro. Entenda-se: o projeto do Código Civil, que tramita há três décadas pelo Congresso, regulamenta as relações civis, isto é, trata das questões da vida cotidiana do cidadão, como as relações de consumo, posse, propriedade, contratos, sucessão hereditária, família etc.
A estrutura organizacional deste projeto data de quase meio século e pretende reger as relações civis e familiais do próximo século. Em especial, a parte da organização jurídica sobre a família é totalmente ultrapassada e equivocada. Sustenta-se em concepções morais do século passado e da época em que foi concebido o Código que hoje ainda vigora.
Todos sabemos que o Código Civil em vigor, em muitos aspectos está ultrapassado, mas substituí-lo por outro de qualidade inferior e que não traz respostas à nossa realidade é equívoco ainda mais grave. O projeto original sofreu alterações, modificações e até tentou-se adequá-lo à Constituição da República (1988). Em vão. Apesar dos hercúleos e bem-intencionados esforços de seus atuais mentores, o respeitável jurista Miguel Reale, o Ministro Moreira Alves e o Senador Josaphat Marinho, o projeto, principalmente o livro da família, mantém-se velho, arcaico e absurdamente em desacordo com a Constituição da República, com as novas representações sociais da família e a evolução do pensamento científico e tecnológico. Paralelamente, ou, paradoxalmente, o Presidente da República encomendou, sob a batuta do renomado jurista Sílvio Rodrigues, uma Consolidação das Leis de Direito de Família. Outro grupo de renomados juristas está organizando um projeto de um Código de Família. Que confusão! Sinal dos tempos? Será isto a virada do século?
Advogados, juízes, promotores, psicólogos, assistentes sociais, os maiores juristas e pensadores do Direito de Família de todo Brasil, reunidos em Belo Horizonte no final deste ano, no II Congresso Brasileiro de Direito de Família, debateram as dificuldades atuais de se ordenar juridicamente as relações de família na travessia do milênio, diante do fenômeno da globalização, de um novo discurso sobre a sexualidade e as novas representações sociais da família. Este fórum de debate foi unânime em concluir pela inadequação do projeto do Código Civil, que está, inexoravelmente, prestes a ser aprovado, insista-se.
É importante que nós, cidadãos brasileiros, tenhamos conhecimento de como um importante projeto como este foi conduzido em seu trâmite legislativo. O interesse em jogo em sua aprovação parece estar totalmente desviado do interesse do povo brasileiro e da comunidade jurídica. Aliás, não conheço quem esteja a favor da aprovação deste “novo” Código Civil. Sabe-se, apenas, dos interesses do presidente do Senado, que pressiona o presidente da Câmara, que pressiona o relator-geral, Deputado Ricardo Fiúza (PFL)…