A mulher não existe
Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 26/11/1996
A história da mulher no Direito ou o lugar dado pelo Direito à mulher sempre foi um não-lugar. Na realidade, a presença da mulher é a história de uma ausência pois ela sempre existiu subordinada ao marido, ao pai, sem voz e marcada pelo regime da incapacidade jurídica.
O movimento feminista, de uma maneira geral, é a reivindicação de uma cidadania, de um lugar de sujeito e para o sujeito. Mas este lugar conquistado só foi possível graças à aliança de interesses com o próprio homem e um repensar da divisão sexual do trabalho. Afinal, para o sistema, a mulher é força produtiva, e mais barata.
Podemos observar que a maioria das mulheres que ascenderam ao poder conseguiram e mantêm-se através do discurso masculino. Será possível que uma mulher exerça sua participação política com um discurso feminino? Pode-se dizer, então, que ela se apropria de algo que não é seu, o discurso fálico masculino. É neste sentido a célebre frase de Lacan, que até hoje provoca inquietações: “A mulher não existe”.
Embora parecesse uma novidade, os homens sempre disseram isto de outras formas. Por exemplo, em vários concílios da Igreja Católica decidiram que a mulher não fazia parte do gênero humano e a remetiam a um estado de total inexistência. Foi somente pela Lei 4.121 de 1962 que a mulher adquiriu capacidade jurídica. Somente em 1989 foi revogado expressamente o artigo da CLT que condicionava o trabalho da mulher à autorização dos maridos.
O aforismo de Lacan tem o grande mérito de situar a feminilidade como um valor suplementar e não excludente em relação ao que os homens sempre afirmaram das mulheres. É a partir da Psicanálise, ao contrário do que apregoam algumas feministas, que ficou apontado este desconhecido e enigmático mundo feminino.
A construção da identidade feminina não pode mais se feita em relação à masculina e tomadora em paradigma, como sempre foi. Segundo a Psicanálise, existe algo na estrutura dos sujeitos femininos que os conduzem a ocupar este lugar cultural, estes papéis de dependência e de existência em relação do outro. Estas peculiaridades, masculina e feminina, constroem-se a partir das anatomias do menino e da menina. É Freud quem explica: “Não encontrando em seu próprio corpo o órgão fálico socialmente valorizado, as mulheres se identificam com a falta. E como tal, procurarão nortear sua vida na posição daquela que não tem e precisa receber de quem tem”.
Foi a partir das idéias de Freud e do aforismo de Lacan, “a mulher não existe”, que começou-se a pensar no enigma do feminismo, e a apontar que a mulher ainda não apresentou ao mundo o discurso feminino, pois todo ele, até agora, foi baseado e identificado com o masculino. A partir do momento em que homens e mulheres considerarem as diferenças estruturais, as peculiaridades feminina e masculina, é que surgirá a possibilidade de inclusão das mulheres nas relações sociais e, conseqüentemente, nas relações civis e jurídicas. Identificar a diferença é reconhecer que o feminino tem um lugar de inclusão e não de exclusão, um lugar de sujeito e não de assujeitado ao masculino. Somente assim, o Direito poderá estar mais próximo do seu ideal de Justiça e diminuir a dominação de um gênero sobre o outro.