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TJCE: Divórcio post mortem

Ronner Botelho

(…) Na mesma senda, o escólio de Maria Berenice Dias:

“[…] Diante do reconhecimento de o divórcio ser um direio potestativo, bastando a manifestação de vontade de um dos cônjuges, depois de proposta a ação, ocorrendo a morte de um deles, não cabe a extinção do processo. Seja do autor, seja do réu, mesmo antes de sua citação.

Rodrigo da Cunha Pereira sustenta que, atribuir o estado civil de viuvez a quem já tinha se manifestado, e até tentado concretizar o divórcio pela via judicial, é perverter o espírito maior da lei, que deve sempre ser interpretada em consonância com outras fontes do Direito. A mesma possibilidade existe quando houve o encaminhamento do divórcio extrajudicial e um dos cônjuges falece antes de seu final.

Lembra Jones Figueirêdo a eficácia imediata dos direitos processuais ( CPC, art. 200). Sendo assim, razão não haveria para a perda do objeto, desprezando o valor jurídico da pretensão já deduzida em juízo, conjunta ou individualmente. E conclui. A questão não se afigura, portanto, meramente acadêmica. Muito ao revés, ganhou maior relevo jurídico justamente a patir da Emenda Constitucional 66/2010, que coloca o divórcio no direito constitucional comoum direito potestativo e incondicional de cada qual dos cônjuges. Tudo diante da nova redação ao art. 226, § 6º, da Constituição Federal, com a supressão dos requisitos temporal e causal.” (…)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. ERROR IN PROCEDENDO. MORTE DO AUTOR NO CURSO DO PROCESSO. POSSIBILIDADE DE DECRETO DE DIVÓRCIO POST MORTEM. DIREITO POTESTATIVO. LEGITIMIDADE DOS HERDEIROS. 1. A controvérsia em tablado cinge-se à possibilidade de prosseguimento do trâmite de ação de divórcio post mortem, mediante habilitação dos herdeiros do Autor. 2. Consabido que, a partir da novel redação do art. 226, § 6º, da Carta Magna de 1988, conferida pela Emenda Constitucional nº 66/2010, o divórcio passou a ser tratado como direito potestativo da parte, de modo que a mera expressão da vontade traduz instrumento hábil a viabilizar o direito de ação respectivo. 3. Na hipótese, certo é que o de cujus, após revogar procuração pública outrora concedida à esposa e registrar boletim de ocorrência contra ela, manifestou o desejo de dissolver o vínculo conjugal perante o juízo, de sorte a preencher, em tese, o requisito legal para o deferimento da pretensão, conjuntura que não se confunde com a transmissibilidade do direito ao divórcio, aliás incabível nos termos do art. 1582, do Código Civil. Decerto que a morte no curso do processo não tem o condão de revogar a disposição de vontade do Autor, permanecendo, lado outro, o interesse de agir, ainda que representado pelos herdeiros, no caso seus filhos, mormente em face dos reflexos patrimoniais e previdenciários envolvidos. 4. Diante dessa conjuntura, e observado que a discussão se estabelecerá em torno da própria validade da manifestação do desejo autoral, já questionada em sede de contrarrazões, tem-se que, ao menos a priori, encontra-se delineada a intenção de pôr fim ao matrimônio, inclusive supedaneada por declarações prestadas, ainda em vida, pelo de cujus, seja perante a autoridade cartorária, seja perante a policial, o que corrobora a legitimidade dos herdeiros em dar continuidade à lide originária, sucedendo o patriarca, inclusive à vista dos efeitos que a sentença acarretará sobre os respectivos direitos futuros. 5. Recurso conhecido e provido. Sentença cassada, determinando-se o retorno dos autos à origem, para prosseguimento do trâmite originário. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 4ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer e conceder provimento à presente irresignação, anulando-se a decisão vergastada, determinando-se o retorno dos autos à origem, para prosseguimento do trâmite originário, tudo nos termos do voto do Relator. Fortaleza, data indicada no sistema. JOSÉ EVANDRO NOGUEIRA LIMA FILHO Presidente do Órgão Julgador FRANCISCO JAIME MEDEIROS NETO Desembargador Relator

(TJ-CE – Apelação Cível: 02000915220238060101 Itapipoca, Relator: FRANCISCO JAIME MEDEIROS NETO, Data de Julgamento: 24/09/2024, 4ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 24/09/2024)

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