No Distrito Federal, uma mulher vítima de “estelionato sentimental” conseguiu na Justiça o direito de ser indenizada pelo homem com quem manteve relacionamento a distância. A sentença unânime condenou o réu ao pagamento de R$ 4 mil a título de danos morais, além de ressarcir a quantia de R$ 23.227,00, referente a presentes – como celular e câmera fotográfica, conserto de veículo e dinheiro emprestado.
A autora alegou que desde o início do relacionamento, que ocorreu entre dezembro de 2019 e julho de 2020, o então namorado pedia empréstimos e presentes. Em uma das ocasiões, ao insinuar que queria um celular, o réu a pediu em casamento. Diante da emoção, ela comprou o aparelho.
Segundo a autora, o réu a enganou com a proposta de casamento, e, após receber os presentes, passou a ser rude e afirmar que não havia mais interesse. Ao pedir a indenização, ela pontuou que o homem usou dos seus sentimentos para obter vantagens financeiras.
Em sua defesa, o réu defendeu que não praticou nenhuma conduta ilícita e que não houve “estelionato sentimental”. Afirmou ainda que o relacionamento era a distância e que, por conta da situação econômica, a autora lhe deu alguns presentes.
Em primeira instância o réu foi condenado ao pagamento de indenização por danos morais e materiais. Para o 5º Juizado Especial Cível de Brasília, as provas dos autos mostram que “o réu se valeu dos sentimentos da autora, envolvendo a vítima com declarações, e da confiança amorosa típica de um casal, além de promessas, como a de um futuro casamento, a induziu e manteve em erro, com o intuito de obter vantagens, praticando assim estelionato afetivo”.
Ao analisar o recurso do réu, a 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal destacou que as provas são suficientes para manter a condenação do réu ao pagamento dos danos materiais e moral. O colegiado concluiu que “restou comprovada a afronta a direito da personalidade, notadamente a incolumidade psíquica da recorrida, que foi severamente atingida na sua afetividade ante a conclusão de que o interesse do recorrente cingia-se à esfera material”.
Esponsais e a promessa de casamento
O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, ressalta que no campo do Direito de Família não é devida qualquer reparação em razão do rompimento dessa promessa de casamento. O que não afasta a possibilidade de questionamento na esfera criminal, caso tenha atos de estelionato. “O princípio da não intervenção estatal na esfera privada da família afasta qualquer tipo de indenização por danos morais no caso de rompimento de namoro ou término de relacionamento”, aponta.
O advogado explica que no Direito Romano existia os “esponsais”, ou seja, a promessa solene de futuro casamento. Se não cumprida, eram devidas “arras esponsalícias” e o noivo responsável pelo rompimento perderia o valor das arras ou seria obrigado ao seu pagamento em triplo ou quádruplo.
O Código Canônico tratou do assunto no § 2 do Cân. 1.062, dispondo que “da promessa de matrimônio não cabe ação para exigir a celebração do matrimônio, mas cabe ação para reparação de danos, se for devida”.
No Brasil, apenas a lei de 6 de outubro de 1784 regulamentou especificamente o assunto, outorgada por D. Maria I, de Portugal, para os domínios portugueses. Os artigos 209 e 210 do projeto do Código Civil de autoria de Clóvis Beviláqua, posteriormente reunidos em um único, tratavam da matéria, observando-se que não se falava de esponsais, mas sim de promessa de casamento:
Art. 218. As promessas de casamento não produzem obrigação legal de contrahir matrimonio. Si, porém, a parte promitente se arrepender, sem culpa da outra, será obrigada a restituir as prendas recebidas e indemnisala do que tiver despendido na previsão do casamento.
“Tal dispositivo não foi incluído no Código Civil de 1916. O ordenamento jurídico brasileiro atual não faz nenhuma menção aos esponsais, não sendo devida qualquer reparação no campo do Direito de Família em razão do rompimento dessa promessa de casamento”, completa.